O IFC Campus Concórdia oferece a moradia estudantil, ou o internato, como forma de auxiliar os que necessitam dessa condição para estudar, oportunizando que alunos de outras cidades e da região tenham acesso ao ensino da instituição. Escolas que oferecem internato possuem algumas características singulares, pois o seu funcionamento é contínuo, principalmente em uma escola agrícola onde há criação de animais e plantações.

 

O internato é uma característica desde a criação da escola, e essa condição sempre possibilitou o vínculo estreito entre os alunos, como também, a condição para o surgimento de conflitos e comportamentos à conduta normatizada pela escola.

 

Acreditamos que os conceitos de disciplina e indisciplina mudam ao longo do tempo, e conhecer as influências sociais, culturais e históricas, são necessárias para a compreensão dos atos realizados. Não há nenhum julgamento de valor aqui, apenas a exposição dos documentos e dos relatos das experiências dos entrevistados.

 

 

Entrevistas

 

As entrevistas realizadas com ex-servidores e ex-alunos do período do Ginásio Agrícola e do Colégio Agrícola, trazem um olhar de como a escola se organizava e cumpria suas rotinas, inserida no contexto histórico político da época (1965-1975).

 

Algumas falas dos entrevistados contribuem para o entendimento da realidade desse recorte histórico. As regras eram rígidas, a saudades de casa era grande, e a pouca idade dos alunos (a entrada ao Ginásio Agrícola ocorria a partir dos 10 anos) dificultava a adaptação inicial.

 

Alguns relatos dos entrevistados confirmam algumas ações realizadas pelos alunos, que não eram permitidas pelas regras internas da escola. E esses relatos são reforçados pelas cartas enviadas pela direção, aos pais dos alunos “infratores”.

 

O entrevistado e ex-aluno, aqui identificado como E5, lembra de uma situação ocorrida, que o deixou surpreso:

 

Lá no Ginásio Agrícola nós não podíamos fumar, só escondido mesmo. Nos banheiros deixava alguém cuidando do lado de fora para avisar se tinha algum inspetor de aluno vindo. Mas um dia numa segunda feira de manhã eu tinha a primeira aula de manhã com o diretor do ginásio. E ele estava fazendo a chamada e quando chegou o meu nome ele mandou eu ir lá no paredão de frente da administração. E depois me mandaram trabalhar, abrir valetas e quebrar milho. Eu não sabia porque me mandaram trabalhar. Daí soube pelo responsável do trabalho que o diretor disse que me viu fumando na frente dele lá na comunidade de Santo Antonio, fora do estabelecimento do ginásio. Mesmo assim, me deu 5 dias de gancho. E perdi uma prova de inglês. Não foi fácil passar aquele ano, mas consegui passar.

 

 

O ex-aluno, aqui nomeado como E3, fala que eram comuns as “fugidas” da escola:

 

(…) pessoal fugia da escola, pegavam né? Não podia sair de noite. Por exemplo: fechava o alojamento. As 10 da noite fechava o alojamento. Aí tinha o inspetor que dava o silêncio e fechava o alojamento e ia embora. Ele morava naquelas casa que tinha envolta ali. E os guris saiam de noite (…)

 

Outro entrevistado, identificado aqui como E1, também na condição de ex-aluno, relata que:

 

(…) nós inventava tudo que é sacanagem. Nós ia roubar pinhão, nós ia nós roubava porco, roubava galinha, é fazia sacanagem às vezes derrubava uma cerca, pra ver os caras ter que fazer de novo, coisa de piazada sabe? Assim, moleque, mas é uma maneira de tu se divertir, porque nós não tinha onde ir

 

Da mesma forma, o entrevistado E7 lembra os seus tempos de aluno e analisa o motivo das ações que tomava:

 

(…) ai eu aprontava né? Eu me cobrava, o que nós fazia? Aprontar. Então era um alívio, quando a gente aprontava. Independente do que era aprontar, se era uma fugida de lá, entendeu? Se era ir roubar moranguinho, né? Se era ir roubar galinha, sei lá o que que fosse fazer. Era uma maneira que você tinha de desabafar, de sair né de se “cobrar”. Você me faz, mas eu também vou te fazer. Ou dá um grito, entendeu? (…) Era muita idiotice né? Ou fumar. Eu aprendi a fumar lá porque era proibido. Era um desafio que nós tínhamos em fumar pra quebrar a regra né? E eu acredito que a maioria que começou a fumar lá, foi para desafiar as leis, né?

 

As normas disciplinares e o regimento interno da escola, localizadas no arquivo permanente da escola, estão disponibilizados abaixo, além da Portaria Nº 9/66 regulamentando a circulação dos estudantes:

Regimento Interno e
Normas Disciplinares

Regimento Interno e
Normas Disciplinares

Podcasts

As normas disciplinares e o regimento internos da escola, localizadas no arquivo permanente da escola, estão disponibilizados abaixo:

REGRAS E PENALIDADES PARA SERVIDORES

 

As regras e punições não eram exclusivas aos alunos. Os servidores também estavam sujeitos às normas da instituição.

 

Foram localizados no arquivo do IFC campus Concórdia, dois documentos que comprovam essa afirmação. A Portaria Nº 2/68 que regulava algumas normas aos funcionários e uma portaria emitida pelo Diretor do Ginásio, em 1967, aplicando a pena de suspensão por 5 dias à uma funcionária por ter cometido uma falta grave.

 

Os dois documentos estão disponibilizados abaixo:

TROTE NO GINÁSIO E NO COLÉGIO
AGRÍCOLA DE CONCÓRDIA

O trote é uma prática proveniente das universidades europeias e, de modo geral, caracterizado por ações violentas e humilhantes impostas aos chamados calouros. O Brasil importou esse hábito de recepcionar os novos alunos, inicialmente nas universidades, e após, nas demais instituições de ensino, e nos variados níveis educacionais.

 

No Ginásio Agrícola e no Colégio Agrícola algumas práticas eram realizadas para “receber” o novo aluno que chegava, sem a permissão ou conhecimento dos funcionários e da própria direção. Algumas dessas brincadeiras, como eram encaradas à época, são relembradas pelos ex-alunos, identificados de forma alfanumérica:

 

Os calouros passavam por trotes. Nesses trotes um deles foi raspada a cabeça e passada graxa de sapato, outros foi raspar os pentelhos dos guris com o aparelho de gilette, tocar fogo com isqueiro, inclusive arrancar alguns. E por esse episódio foi mandado embora uns três a quatro alunos. Eles foram expulsos da escola. E5

 

É então assim de de pegar e depilar né os outros, né? Isso aí até teve alguns que foram expulsos do colégio por ter feito isso né? Uns dois, três. Mas no normal, banho de água fria, umas coisinhas assim né, mais tradicionais. Daqui a pouco tu tinha que passar no meio deles, e eles dando uns cascudo na tua cabeça, tem que passar correndo, se abaixando. Mas era assim no primeiro dia, um, dois dias, depois acabava tudo. Não tinha uma sequência – E6

 

“Faziam. Eles faziam, mas não que o direção soubesse. Jogavam água na cama, traziam fezes de porco sujavam o cara faziam ele tomar banho. É coisa de colônia. Pensa em 66 (…) O que que tu pode imaginar? Tinha uns da cidade que eles não aguentavam nem uma semana. Meu Deus… chegou sábado (…) não voltava mais. Quantos que desistiram… – E1

 

(…) entrava aluno novo, no meio do período, vamos dizer assim, no meio do ano, quando alguma turma já está estabilizada, né, entrosada, era traumático mesmo, entendeu? Assim como foi para nós quando nós entramos também. Os alunos que já estavam lá que eram os veteranos que tinham reprovado no no ano anterior, sabe? Cada turma tinha uma meia dúzia daqueles. Eles mandavam nós trabalha e eles ficavam Sentados lá na lavoura. E não raras vezes dava uns tapa na orelha dos cara aí : “vai trabalhar “. Os novatos tinham que trabalhar e os veteranos então se aproveitavam disso né? E assim era quando um aluno chegasse lá na metade do ano por exemplo né, novato no meio de uma .. de um grupo já, vamos dizer assim, entrosado, ele sofria né? O pessoal fazia trabalhar, sofria bullying, né? Enfim, o cara que aguentasse lá era bom mesmo E4

 

Sim, tinha, sim, sim. Conforme o trote do cara ele já saia com apelido né? E 90% pegava. Eu era muito, muito ruim pra isso, eu não era muito ligado pra colocar apelido. Talvez tenha colocado uma meia dúzia durante todos os anos né? Mas tinha uns especialistas, tinha uns caras que eram muito bons nisso. Eles olhavam a cara do sujeito e olha o Mutim, e olha o tal… e ia pegando cara, e pegava e ficava, né? O mais que pegava lá, que eu me lembro, era você trabalhar no meu lugar, por exemplo, entendeu? Era o meu dia de limpar os banheiros. Então tu fazia o cara ir la limpar, no teu lugar. Que era escala né? Ele ia lá, limpa o banheiro no teu lugar. Isso aí eu me lembro que nos fazíamos né? Ele faz o serviço no teu lugar… E7

 

Para saber mais sobre trote em instituições de ensino agrícola, sugerimos uma tese de doutorado de Rosiane Maria da Silva, intitulada “Só Vencem os Fortes”: a barbárie do trote na educação agrícola, cujo link segue abaixo:

https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/7109/TeseRMS.pdf?sequence=1&isAllowed=y

NOTA SOBRE AS ENTREVISTAS:

 

Os áudios utilizados nos podcasts foram gravados nas casas e no local de trabalho dos entrevistados, com interferências sonoras dos ambientes. Os mesmos foram mantidos no seu formato original, na tentativa de manter a fidedignidade histórica, contribuindo inclusive, para a análise de pesquisas futuras.

 

Nas transcrições das entrevistas foram mantidas as falas originais com o objetivo de preservar aspectos socioculturais dos entrevistados, além de manter a fidedignidade histórica para possíveis pesquisas futuras.

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support